domingo, 18 de março de 2018

A (Gênese) da Opressão da Mulher

(*) Denize Passinho de Oliveira

Da esquerda para a direita, Evelin, Denize e Simone
Foto: Evandro Freitas Siqueira


RESUMO

O presente artigo tem o interesse de provocar uma releitura na perspectiva de gênero na fase da história denominada revolução neolítica ou revolução agrícola, quando a humanidade “deixou’’ de ser caçadora, coletora e nômade e passou a ser agricultora, artesã e sedentária, compreendendo a origem da opressão de gênero (mulher), que provocou mudanças na forma dos matrimônios dos grupos humanos (poligamia, poliandria a monogamia), saindo de uma sociedade matriarcal (com igualdade) a uma sociedade patriarcal (com desigualdade), deslocando as mulheres do espaço público ao espaço privado em condições de subalternidade ao homem. Tendo como referencial teórico o conceito de família, propriedade e Estado de Engels (1984), de Estado de Marx (2001) e de concepção de movimentos feminista de Valadares (2007), contribuindo no entendimento que a divisão sexual do trabalho nas comunidades primitivas, evoluíram para divisão social do trabalho (gênero) nas sociedades modernas.


Palavras Chaves: Estado. Classe. Opressão de Gênero. Família. Revolução Neolítica.


domingo, 20 de março de 2016

Inflação de demanda: obsessão ou fetiche?

O receituário ortodoxo repete que a solução para a inflação está no tripé macroeconômico. Mas o ‘remédio’ é pior que a ‘doença’: mata o paciente, sem tocar nas verdadeiras causas do problema, que tem raízes na própria forma como se construiu o processo de industrialização nacional.

Por Jorge Armindo Aguiar Varaschin*


  
Nos últimos meses, mostrou-se a base quase mítica sob a qual se sustenta o debate econômico em geral, e o brasileiro, em particular. Não apenas porque o desenvolvimento econômico é um tema controverso, capaz de tornar o debate nebuloso, escondendo o essencial de qualquer tipo de discussão, mas, principalmente, por ser inerentemente ideológico, traz em si (e em suas aparentes justificativas) interesses de classes. A suposta neutralidade científica da ortodoxia econômica não cabe no mundo real.

Apesar da retórica oficial de combate à inflação, a defesa tenaz da austeridade por parte de grupos ligados ao mercado financeiro é carregada de interesses bastante específicos e autorreferentes.

Nessa conjuntura, a questão principal e que deve assumir seu lugar no debate econômico atual, são as causas da inflação brasileira, hoje assentadas, usando alguns termos da psicanálise, na obsessão de parte do mainstream por uma inflação de demanda (para a outra parte tem a estrutura de um fetiche, já que, na interação exclusiva com o objeto parcial, no caso, a inflação, deixa de perceber a totalidade que esta pressupõe, a economia brasileira), cenário no qual o processo inflacionário reflete o aumento da procura de bens e serviços em relação a sua oferta.

Há mais de duas décadas o receituário ortodoxo repete esse mantra para todo país e o conhecido tripé macroeconômico (metas de inflação, superavit primário e câmbio flutuante) baseia-se justamente nessa crença.

No entanto, apresenta-se como um “remédio” pior que a “doença”: mata o paciente, sem tocar nas verdadeiras causas do problema, já que suas raízes são mais profundas, relacionando-se com a própria forma como se construiu o processo de industrialização nacional.

A estrutura produtiva brasileira, associada à grande empresa oligopólica de capital estrangeiro, é majoritária, tendo seus setores mais dinâmicos nas mãos de algumas poucas empresas capazes de exercer seu poder de monopólio.

Esses agentes conseguem defender suas margens de lucro, mesmo em cenários de baixo crescimento, o que dá nova ênfase à contradição entre lucros e salários.

Com o referido poder de monopólio, que permite concorrência por diferenciação de produto (e não via preços), reduz-se a possibilidade de quedas generalizadas nos custos de produção, fazendo com que a capacidade instalada torne-se estruturalmente pouca afeita ao aumento da produtividade do trabalho, reduzindo, com isso, o potencial dinâmico do crescimento econômico.

Mais do que isso: qualquer aumento nos custos é repassado, em grande parte, via preços, tornando-se essa a variável de ajuste que permite a manutenção ou, pelo menos, a sustentação em níveis razoáveis das margens de ganho.

Nesses cenários, aumentos salariais são também repassados para os preços das mercadorias comercializadas, expondo a seguinte questão: a possibilidade de proteção das taxas de lucro, fruto do poder de monopólio, redefine a problemática lucros-salários: a contradição anterior, central no processo de acumulação de capital, aparece na dicotomia nível de preços-salários, o que, de fato, obscurece a relação contraditória essencial (lucros-salários) por um “problema difícil” (nível geral de preços-salários) no interior do debate sobre a gestão da política econômica, com efeitos diretos na distribuição de renda.

Nesse contexto, as margens de ganho dos capitais investidos estão protegidas com relação ao aumento dos custos de produção em geral, e elevações salariais, em particular.

Dessa forma, possuem um piso, porém não um teto: em momentos de expansão variam mais que proporcionalmente aos salários; em conjunturais recessivas, têm neles uma “variável de ajuste” para baixo.

Fora isso, há sempre a questão dos juros altos: em momentos de baixo crescimento, há a possibilidade de aplicação financeira no mercado de títulos públicos, com elevada taxa de retorno sem os riscos inerentes à atividade produtiva.

Assim, o ajuste fiscal atua sob uma fantasia: o “combate” à inflação é feito à custa do emprego e renda dos trabalhadores, tendo como base um diagnóstico completamente equivocado.

Num cenário de baixo crescimento, como a atual conjuntura da economia brasileira, a capacidade de repasse das elevações de custo para os preços, estabelecendo a defesa das margens de ganhos, mantém a pressão sobre o nível geral de preços, mesmo sem aumento na procura de bens e serviços.

Além disso, a possibilidade de ganhos de tesouraria, isto é, no mercado de títulos, reforça a necessidade da ampliação de investimentos e gastos públicos, capazes de manter a atividade econômica em níveis razoáveis.

Em outras palavras, a falta de investimento privado abre um espaço ocupado pelo orçamento público, tendo em vista uma política contracíclica, a favor da manutenção da atividade econômica.

Aqui se chega a uma inversão ideológica essencial, alardeada como “cânone” de políticas fiscais “sadias” (na lógica ortodoxa, é claro): o mesmo cenário que mantém a pressão de preços num cenário de baixo crescimento reforça o aumento dos gastos públicos, ou seja, não são os gastos governamentais que geram ou aceleram o processo inflacionário; pelo contrário: a pressão sob o nível de preços e a elevação dos gastos públicos são duas faces da mesma moeda num cenário recessivo.

A pressão sob os preços existe, como já explicado, e o aumento dos gastos visa simplesmente a manutenção do nível de atividade.

É por isso que o ajuste fiscal aplicado, no atual estado da economia brasileira, mostra-se desastroso. Além de diminuir ainda mais a atividade econômica, com aumento do desemprego e da renda gerada, não resulta em grande queda no nível geral de preços.

Adicionalmente, seu efeito político faz emergir ainda uma importante questão: se em momentos de expansão econômica é possível compor com o capital industrial, interessado em políticas expansionistas capazes de elevar suas margens de ganho, em conjunturas recessivas ou de baixo crescimento, isso é muito pouco provável, já que adota uma postura explicitamente defensiva, atuando conjuntamente com o capital financeiro por políticas restritivas, que forcem a queda no nível real de salários.

Esse cenário demonstra de maneira notável como a inflação hoje aparece no imaginário nacional como uma condensação de nossos temores dispersos: em nome de seu suposto combate permitem-se políticas cujos efeitos são ainda mais deletérios.

Como qualquer inversão ideológica, sua centralidade no debate atual mais mistifica do que revela suas causas essenciais e é justamente isso que faz com que este não ocorra de maneira efetiva.

Dessa forma, a questão inflacionária atua, no interior da discussão econômica, como uma espécie de interdição: a aparência do debate que o tema supostamente engendra é o elo que impede sua possibilidade real, isto é, a forma como este se desenrola demonstra sua efetiva não ocorrência.

Enfim, cumpre sua função de distorção dentro do discurso econômico ortodoxo, minando as bases de um debate lúcido e genuíno sobre o atual momento da economia brasileira.

*É bacharel, mestre e doutorando em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Fonte: Brasil Debate

A pauta oculta do impeachment

Pré-Sal para petroleiras globais. Fim da demarcação indígena. “Direito” ao armamento pessoal. Veto à família homoafetiva e muito mais. Que projetos escondem-se atrás da suposta “luta contra corrupção”. Por Cristina Fróes de Borja Reis, Tatiana Berringer e Maria Caramez Carlotto*


  
A condução coercitiva do ex-presidente Lula em 4 de março foi, até o momento, o episódio mais grave da atual crise econômica e política no Brasil. A crise nos coloca diante de uma ameaça, diretamente ligada à correlação de forças existente na sociedade: os interesses do grande capital financeiro, há muito questionados, podem retomar completamente o controle do jogo.

Diante do espetáculo criado pela imprensa na chamada “luta contra a corrupção”, os interesses dominantes amplamente representados no Congresso aproveitam-se da cortina de fumaça para impor sua agenda regressiva ao país. Ao invés de discutir com seriedade e aprovar uma reforma política que pusesse fim ao financiamento empresarial de campanhas eleitorais, que é a base da estrutura do sistema político brasileiro criado no fim da ditadura militar e que está na raiz do escândalo atual, oportunisticamente resgata-se antigas e derrotadas ideias sob a forma de projetos de lei (PL), propostas de emendas constitucionais (PEC) e projetos de resolução do Senado (PRS) à aprovação sob regime de urgência. O rápido exame de alguns deles evidencia como atentam contra a soberania nacional, a democracia e os direitos humanos no Brasil.

Começando pela economia, o PRS 84/2007, apresentado pelo senador José Serra (PSDB/SP), estabelece um teto para a dívida pública líquida e bruta da União, reduzindo a autonomia de política macroeconômica do Estado (na sua capacidade de atuação anticíclica). Isso significa, no curto prazo, aprofundar o ajuste fiscal em curso desde 2015 e comprometer as possibilidades de saída da crise pois, também no médio e longo prazo, o estímulo tributário e de gastos públicos é fundamental para acender a dinâmica de investimentos doméstica. Duas das questões mais sensíveis e que afeta diretamente os gastos públicos são a reforma da previdência e a política de valorização do salário mínimo. Ambas estão sendo transformadas em prejuízo dos trabalhadores (como ficou claro no começo de 2015 com a imediata investida, naquele momento mal sucedida, para alterar a regra da valorização do mínimo e na Medida Provisória 680/2015, no sentido da flexibilização das leis trabalhistas), dos aposentados e da própria autonomia de política econômica e social.

A Lei de Responsabilidade das Estatais (PLS 555/2015), cujo relator é o senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), é mais uma proposta em curso que fere o princípio da autonomia, ao criar um marco regulatório que enquadra as empresas estatais na lógica do mercado financeiro. Além de impedir filiados a partidos e sindicalistas de participarem na composição dos conselhos e diretorias, prioriza quem tem experiência no mercado. Tal reforma possibilita, sob a imagem de um falso republicanismo, a captura por parte de grupos particulares privados, nacionais ou estrangeiros, dos bens públicos que impactam fortemente na atividade econômica nacional e na inserção geopolítica do país.

Aqui residem dois movimentos igualmente perniciosos. O primeiro é a ameaça aos direitos de militantes de partidos e sindicatos — algo que fortalece a ampla propaganda de criminalização da política atualmente em curso, subtraindo dos atores políticos seus instrumentos legítimos de representação. Na esteira de um suposto esforço de combate à corrupção, difunde-se uma ideologia elitista e tecnicista, que associa toda e qualquer atividade política à busca do auto-interesse, ao descaso com a coisa pública quando não à simples prevaricação, como se o mercado e as estruturas burocráticas do Estado não fossem, eles também, permeados de interesses e visões ideológicas.

O segundo movimento é o de recondução da política externa e da margem de manobra do Estado diante das grandes potências, especialmente dos Estados Unidos, já que o posicionamento geopolítico no campo energético é crucial para a soberania brasileira e latino-americana. Ao contrário, o movimento de curso é de privatização dos recursos naturais e um benefício da maior participação dos grupos financeiros internacionais, representando uma subtração da soberania nacional e o fortalecimento deles.

É exatamente a soberania nacional que está em jogo com a aprovação pelo Senado Federal do PLS 131/ 2015, também de autoria do senador José Serra e atualmente tramitando na Câmara como PL 4567/2016. O projeto estabelece que a Petrobrás terá a prerrogativa de escolher se quer ser operadora do campo do Pré-Sal ou se prefere se abster da exploração mínima de 30% obrigada pela lei. Portanto, abre possibilidade para o capital privado, nacional e estrangeiro, se apropriar ainda mais de um recurso estratégico. Além disso, limita o poder fiscalizador que a estatal brasileira exerceria sobre a exploração do campo. Ou seja, não somente não garante que as operações passem a ser feitas maximizando lucratividade e eficiência, como desconsidera as implicações mais abrangentes de sua operação sobre a estrutura produtiva doméstica e suas consequências distributivas – em prejuízo, novamente, dos interesses da maioria dos brasileiros.

Falando na possibilidade de maior participação estrangeira na propriedade de ativos brasileiros, está em trâmite um texto substitutivo ao PL 4059/12 para flexibilizar o processo de compra de terras brasileiras por estrangeiros. O texto contraria parecer publicado pela Advocacia Geral da União — que veda, por exemplo, empresas estrangeiras adquirirem imóvel rural com mais de 50 módulos de exploração indefinida. Paralelamente, também se fortalecem os interesses ruralistas com a PEC 215/ 2000, que tem como objetivo retirar do Executivo o poder para demarcar terra indígena, transferindo a palavra final sobre demarcação das terras para o Congresso Nacional. Na prática, as terras ditas “tradicionais” passarão a ser interpretadas como qualquer outra propriedade rural. Ainda sobre esse tema, seguiu para a câmara dos Deputados a PEC 71/2011 (relatada pelo senador Blairo Maggi (PR/MT) e aprovada de forma unânime no Senado), que prevê a indenização a proprietários rurais com áreas incidentes em Terras Indígenas.

Há ainda a tentativa de flexibilização do estatuto do desarmamento. O texto substitutivo, do deputado Laudivio Carvalho (PMDB-MG), aprovado em uma comissão especial do Congresso, facilita a obtenção do porte de armas por mudar os requisitos necessários para o cidadão comum receber autorização para circular nas ruas portando armas de calibre permitido. Trocando em miúdos, será facilitado o acesso às armas por particulares, possibilitando, no limite, que novas milícias possam atuar concorrentemente às forças do Estado – aumentando, ao invés de retrair a violência.

Também no campo dos direitos civis, o PL 5069/ 2013 do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) aprovado pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara, altera regras sobre o aborto, criminalizando quem preste qualquer auxílio ou orientação. No caso de estupro, o texto prevê que o aborto seja permitido somente com exame de corpo delito. Já o Estatuto da Família, PL 6583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR/ PE), sedimenta uma definição excludente de entidade familiar (“o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”), o que tem como consequência a exclusão do casamento homossexual e também da adoção por famílias formadas por homossexuais marcando um retrocesso enorme nos poucos direitos conquistados pela comunidade LGBT.

Ainda aguarda apreciação do Senado Federal a PEC 171, proposta originalmente em 1993, sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Além de especialistas concordarem de modo quase unânime que a medida não afasta efetivamente adolescentes do crime, seu efeito político imediato é isentar o Estado do compromisso com políticas de juventude, combatendo-se o efeito e não a causa da criminalidade, como o comprova a experiência de outros países. A medida é absurda dentre outros motivos porque já existem leis que responsabilizam menores infratores. Todos esses diferentes projetos simbolizam enormes retrocessos nos direitos civis, que prejudicam principal e diretamente as vidas das mulheres, jovens e LGBTs.

Enquanto emergem aparatos legais tão polêmicos, é assustadora a aprovação da lei anti-terrorismo pelo Plenário do Senado em 24 de fevereiro de 2016, que reformula o conceito de “organização terrorista”. Como alardeiam os críticos, e também a Organização das Nações Unidas (ONU), o projeto agride os direitos humanos porque a tipificação para o crime de terrorismo está ampla e abre margem para a repressão de movimentos sociais e manifestações populares. Em nota, a ONU reforçou que definições imprecisas não são compatíveis com a perspectiva das normas internacionais de Direitos Humanos. Ou seja, no atual contexto em que os diversos atores políticos deveriam se fortalecer para fazer escutar suas vozes e disputar o poder, reprime-se seu direito fundamental de se organizar, movimentar e manifestar.

Mesmo que se seja a favor de um ou mais dos projetos aqui tomados apresentados, há de concordar que a premissa elementar, de que o que não pode ser limitado é a garantia da preservação das instituições democráticas. Ou seja, não é hora para decisões tão importantes serem tomadas sem amplo debate na esfera pública, com espaço para crítica e reflexão. A prioridade é, também, zelar pelos direitos humanos e pelas conquistas sociais que efetivamente melhoraram as condições de vida da maioria da sociedade brasileira. É preciso pensar também se essa ofensiva contra empresas brasileiras e contra o atual governo é genuinamente uma tentativa de combater a corrupção e moralizar a política nacional, ou se é uma investida seletiva a favor dos interesses financeiros e internacionais, contra a alteração da correlação de forças da sociedade brasileira dos últimos anos – em que se fortaleceu a posição do Brasil na geopolítica mundial ao mesmo tempo em que se retirou milhões de pessoas da miséria, aumentou-se a remuneração real média dos trabalhadores e atingiu-se a menor taxa de desemprego observada desde o fim da ditadura militar.

*Cristina Fróes de Borja Reis, Doutora em Economia pela UFRJ, Professora de Economia e Relações Internacionais na UFABC, autora da monografia premiada pelo Tesouro Nacional Os efeitos do investimento publico sobre o desenvolvimento econômico: análise aplicada para a economia brasileira entre 1950 e 2006 (2008).

*Tatiana Berringer, Doutora em Ciência Política pela UNICAMP, Professora de Relações Internacionais na UFABC, autora do livro A burguesia brasileira e a política externa nos governos FHC e Lula .(2015).

*Maria Caramez Carlotto, Doutora em Sociologia pela USP, Professora de Relações Internacionais na UFABC, autora do livro Veredas da mudança na ciência brasileira. Discurso, institucionalização e práticas no cenário contemporâneo (2013).
 

 Fonte: Outras Palavras

sábado, 5 de março de 2016

O conservadorismo e a luta de ideias

Por Caio Botelho

Na última quarta-feira, 2/03, o deputado federal Jair Bolsonaro (RJ) formalizou a sua filiação ao Partido Social Cristão (PSC). O objetivo é viabilizar a sua candidatura à presidência da República nas eleições de 2018. De acordo com as mais recentes pesquisas de opinião, o parlamentar gira em torno de 4% a 7% das intenções de voto.

Evidente que é impossível prever o que ocorrerá nas eleições presidenciais vindouras. Se o conturbado cenário político brasileiro nos impede de traçar um panorama para os próximos dois meses, menos ainda para os próximos dois anos. Mas é hora de os setores populares começarem a se debruçar seriamente sobre os motivos que levam uma parcela significativa da população brasileira a flertar com a extrema direita, mesmo depois de quase catorze anos de governos progressistas.

Ao longo do governo Lula e no primeiro mandato da presidenta Dilma, o Brasil logrou êxito em ampliar a renda média da classe trabalhadora. Os programas sociais melhoraram a qualidade de vida de milhões de brasileiros que, antes, eram vítimas do flagelo da fome e da pobreza extrema. O desemprego alcançou patamares aceitáveis. O acesso a bens de consumo, ao carro e à casa própria foram profundamente democratizados. As dificuldades ocasionadas pela crise econômica mundial, a partir de 2009, foram combatidas com medidas anticíclicas e sem adotar o receituário neoliberal que tanto prejuízo causou ao país em décadas anteriores. Antes às vias de serem privatizadas, as grandes estatais – a Petrobrás como maior referência – foram fortalecidas e reafirmadas em seu papel estratégico.

O bom momento econômico e social, possível graças às corretas medidas adotadas, embalou as vitórias eleitorais de Lula em 2006 e de Dilma em 2010 e 2014. Entretanto, acabou-se criando um clima de acomodação diante do cenário até então favorável, o que trouxe imensas dificuldades quando este deixou de sê-lo, em especial a partir do agravamento da crise econômica e da ofensiva política contra o governo, que hoje toma corpo com os intentos golpistas.

Muitos brasileiros foram inseridos a um padrão de consumo mais elevado, mas o nível político-cultural, por seu turno, continuou nivelado por baixo. Pouco foi feito para alterar a essência conservadora do Estado brasileiro. A subestimação da luta de ideias revelou-se o mais grave erro cometido pelos governos liderados por Lula e Dilma.

E o resultado é uma sociedade onde campeia o machismo, o racismo, a homofobia e tantas outras formas de intolerância e preconceito. E não apenas entre as elites – cujo compromisso com esse ideário atrasado já é bem conhecido – mas também em meio às amplas camadas da classe trabalhadora, inclusive aquela que foi beneficiada pelos avanços dos últimos anos. Há uma década, a candidatura de um louco como Bolsonaro dificilmente seria viável e, se hoje ela é, então alguma coisa não está certa. A história prova que é prudente não menosprezar os seus riscos.

Em um momento de agravamento da situação política, a democracia ocupa o centro da agenda. Sob essa bandeira devem se unir todos os setores comprometidos com os interesses populares em uma frente ampla em defesa dos interesses nacionais. Ao mesmo tempo, é preciso que fique gravada a noção de que é preciso superar o modelo de disputa política baseado em cálculos eleitoreiros, no pragmatismo e em ilusões conciliatórias que subestimam os interesses e o lado das classes dominantes.

As forças progressistas – os partidos de esquerda, sobretudo – devem buscar voltar a ser um espaço de aglutinação de ideias, mobilização, organização e elevação do nível de consciência do povo, tendo como horizonte transformações mais profundas.

Se as crises trazem ensinamentos, estamos em um bom momento para aprender.

http://ujs.org.br/index.php/noticias/o-conservadorismo-e-a-luta-de-ideias-por-caio-botelho/

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A importância do centro único de direção

Evandro Freitas Siqueira(*)

“Em que relação se encontram os comunistas com os proletários em geral? Os comunistas não são nenhum partido particular face aos outros partidos operários. Não têm nenhuns interesses separados dos interesses do proletariado todo. Não estabelecem nenhuns princípios particulares * segundo os quais queiram moldar o movimento proletário. Os comunistas diferienciam-se dos demais partidos proletários apenas pelo facto de que, por um lado, nas diversas lutas nacionais dos proletários eles acentuam e fazem valer os interesses comuns, independentes da nacionalidade, do proletariado todo, e pelo facto de que, por outro lado, nos diversos estádios de desenvolvimento por que a luta entre o proletariado e a burguesia passa, representam sempre o interesse do movimento total” (MARX/ENGELS).

Inicialmente pensei fazer uma digressão sobre o tema, mas, as condições objetivas do que aparenta ser o surgimento de um pensamento fraccionista[i], de tendência ou formação grupo no seio do glorioso, exige rapidez, clareza dos objetivos e fraternidade no trato, pois o que vemos é um grau de imaturidade elevada, somada a desconhecimento e formação nos preceitos marxista-leninista de partido.

Quando Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista (1848), citado acima, situam as finalidades (objetivos) gerais que diferenciam o Partido Comunista dos demais partido demarcam o campo, abstraindo quaisquer duvida que possa existir sobre seu caráter e objetivos.

Lênin em 1903 lança o “partido de novo tipo”, bolchevique e revolucionário, que mais tarde, constituiu na obra Esquerdismo, doença Infantil do Comunismo. Um partido que possui 04 (quatro) pilares, a) Socialismo Cientifico, interpretação da realidade concreta de nosso país, com base na teoria social fundada por Marx e Engels e desenvolvida por Lênin; b) Ligação com as massas e trabalhadores, em busca dos seus interesses imediatos e correlacionar a luta pela transformação social, atuando nas mais diversas formas de organização social e política; c) Centralismo Democrático, Unidade de Ação, amplitude nas opiniões e ideias, submissão da minoria pela maioria, ação e centro de direção única; e d) Crítica e Autocritica de suas ações (balanço), toda deliberação/decisão é passível de acertos e erros, que precisam ser relacionados e tratados fraternamente.

Para cumprimento do objetivo deste artigo, destaco o pilar c), no que trata especificamente no “Centro de Direção Única” o PCdoB não admite formação ou organização de tendências, grupos ou frações que gerem no seio do partido um centro de direção diferentes da vida institucional do partido, ou seja, conjunto de militante/dirigente que deliberam e ajam em ações contrarias ou contraditórias, às estabelecidas pelo coletivo de qualquer instância partidária.

As ideias fraccionistas podem causar a degenerescência do partido comunista, estabelecendo lutas internas, desagregação de membros voluntaria ou compulsória. Ou seja, cria “desnecessariamente” um refluxo objetivado por equívocos e distorções na ação política.
O partido comunista classifica didaticamente e não conceitualmente suas frentes de atuação social e política, como Mulheres, Juventude, Negros, Trabalhadores e etc. mas, essa classificação significa agrupamento em si e nem tão pouco para si. São uma forma organizacional de ação temática partidária onde se organizam as mulheres comunistas, os jovens comunistas, os negros comunistas, os trabalhadores comunistas e por diante.

A direção do partido deve combater com veemência os indícios de pensamentos perniciosos que possui um único objetivo, o de enfraquecer a direção do partido a curto prazo e estabelecer um novo curso ao que está sendo construído e forjado com “sacrifício” pessoal e coletivo dada a realidade.  

(*) Presidente do Comitê Municipal Macapá, Economista e Perito e Auditor Ambiental.





[i] Fraccionismo é uma palavra angolana como a divisão protagonizada pelo Nito Alves e José Van e Dúnem do MPLA - 1976 - 1977. Houve a certo momento em 1962 um fraccionismo, que foi conduzido por Viriato da cruz, nome que não é desconhecido dos camaradas, mas que produziu a divisão do Movimento, por não querer submeter-se a essas regras de centralismo democrático. Quando se discutia um problema, no Comitê Diretor, ele assumia, sempre uma atitude contra a maioria.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Dilma, coelhos e cartolas - Editorial do Vermelho

No café da manhã com jornalistas na quinta feira (7), a presidenta Dilma Rousseff disse que não tem coelho na cartola, sinalizando que não haverá pacotões para sair da crise econômica. A saída resultará de uma construção paciente, que já começou em dezembro com a troca no ministério da Fazenda e a iminência do fim da política econômica recessiva de Joaquim Levy.
 
A gravidade da crise econômica não autoriza qualquer solução mágica. No Brasil ela tem componentes externos e internos, refletindo a doença que ataca o capitalismo a nível mundial e agora manifesta-se nas dificuldades como as vividas pelas bolsas chinesas.  A situação é grave e impõe para o Brasil a adoção de medidas econômicas e sociais de forte impacto que ajudem a recompor a capacidade fiscal para que o Estado possa atender às demandas sociais que o país exige.
 
A implementação das medidas sinalizadas por Dilma exigirá muito debate e diálogo, sobretudo a reforma da Previdência, que já enfrenta resistências a serem levadas em conta. A aprovação da CPMF e a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) vão esbarrar também na forte oposição dos setores mais interessados apenas no insucesso do governo – a turma do quanto pior melhor.
 
Os coelhos ausentes da cartola não são apenas os da economia. O governo terá que se esforçar para recompor a base política no Congresso Nacional (principalmente na Câmara dos Deputados) e no conjunto da sociedade, onde já foi identificada uma discreta tendência de recuperação na pesquisa Datafolha feita em dezembro.
 
A presidenta Dilma Rousseff falou, com destemor, de erros cometidos pelo governo em anos anteriores. Em 2015 eles se traduziram no forte afastamento do governo em relação a sua base social. Em que pese este distanciamento, diante da ameaça golpista promovida pela oposição, em conluio com a mídia, houve um crescente protagonismo do povo organizado em defesa da democracia e da legalidade – e que resultaram na grande manifestação de 16 de dezembro, fator de viragem na crise política com o isolamento e desmascaramento da oposição direitista e neoliberal.
 
Janeiro começou com sinais positivos. O golpismo ganhou os rostos nítidos de Aécio Neves, do PSDB, de Eduardo Cunha e da ala do PMDB que ele comanda. É preciso lembrar que este é um ano eleitoral – e o PMDB, que comanda mais de mil prefeitura, deverá pensar duas vezes antes de ir  às urnas abraçado com o rejeitado Eduardo Cunha. Esta é outra enorme dificuldade para a oposição: de herói da direita golpista, o presidente da Câmara transformou-se em símbolo do que há de pior na política conservadora brasileira, batendo recordes de rejeição. 
 
Setores cada vez mais amplos dos atores políticos passaram a rejeitar o abraço de afogado de Cunha e Aécio, sob o risco de submergirem na mesma água turva em que eles navegam e seu golpe direitista de consequências imprevisíveis. 
 
O instinto de sobrevivência de Michel Temer levou-o ao recuo. Ele tem dito a interlocutores que o impeachment perdeu força e sinaliza um grande esforço para harmonizar o PMDB de maneira a se manter presidência do partido. 
 
A próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão), prevista para fevereiro, faz parte do esforço de recomposição da base do governo. Ali será retomado o diálogo entre os diferentes setores sociais em torno das alternativas para sair da crise e retomar o desenvolvimento. 
 
Assim como a econômica, a cartola política também não autoriza soluções mágicas. Lula tem razão ao dizer que o impeachment está morto mas não sepultado. O golpismo tem seus pregoeiros contumazes, com Fernando Henrique Cardoso à frente: ele começou o ano insistindo na continuidade do golpe, sob qualquer forma (impeachment, cancelamento da eleição de Dilma Rousseff pelo TSE ou mesmo, sonha ele, a renúncia da presidenta). 
 
Não há coelhos na cartola, e isso exige a paciente e persistente construção de saídas que, sendo políticas, tenham reflexos favoráveis na economia. Mais do que nunca é preciso que as forças progressistas e de esquerda, além do próprio governo, tenham em conta que ainda ocorrerão muitos embates, difíceis e prolongados. É preciso enterrar de vez o impeachment para que o Brasil recupere a tranquilidade política e possa enfrentar a crise econômica. 
 
Este é um roteiro que a presidenta Dilma Rousseff prometeu perseguir com “unhas e dentes”.

Postado originalmente: http://vermelho.org.br/editorial.php?id_editorial=1561&id_secao=16